Resgatando o papel do professor na escola confessional como transmissor de conhecimento e da verdade: reflexões e propostas seminais
Francisco Solano Portela Neto*
RESUMO
Este artigo apresenta os conceitos de entendimento, verdade e ensino adotados pelas estruturas teóricas do construtivismo, explora as similaridades com o sócio-interacionismo de Vygotsky e as compara com as proposições encontradas em textos pertinentes das Escrituras Sagradas, o texto fundacional sobre o qual se constrói a filosofia da fé cristã e que deve nortear em última análise a estrutura teórica abraçada por educadores e escolas cristãs. Para alcançar suas conclusões, o autor reflete, no artigo, pesquisa e exame em literatura recente, nos campos da pedagogia, da epistemologia e da teologia. O artigo propõe uma pergunta de pesquisa que leva à comparação do construtivismo com os conceitos bíblicos, tendo como hipótese de que discrepâncias serão encontradas em maior número do que similaridades. Procura-se demonstrar que se uma pessoa abraça a fé cristã, deveria, por coerência, ter uma visão do processo de aprendizagem que irá diferir do modelo encontrado nos círculos educacionais contemporâneos. No final, o autor apresenta uma segunda pergunta, tratando da percepção que os educadores e escolas cristãs têm destas diferenças, colocada como base para pesquisas adicionais, apontando que as escolas e os educadores cristãos são o alvo natural de uma aferição do grau de percepção das diferenças nesses conceitos e que tipo de impacto uma visão cristã do conhecimento e da aprendizagem tem no final, ou seja, nas práticas educacionais em salas de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Educação escolar cristã; Conhecimento; Construtivismo; Facilitador; Pós-modernismo; Professor; Transmissor; Verdade.
INTRODUÇÃO
Construtivismo é a estrutura teórica educacional quase que monoliticamente aceita e praticada no Brasil para o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas ou particulares desde a pré-escola até o Ensino Médio. Grande parte dessa estrutura também é carreada à prática educacional do ensino superior brasileiro. No entanto, nas últimas décadas têm surgido vozes e escritos contraditórios a essa teoria cognitiva, apontando sua base filosoficamente frágil e a prática virtualmente impossível de suas premissas em salas de aula.
Vários desses posicionamentos foram citados no livro do autor O Que Estão Ensinando aos Nossos Filhos?1 Em escala mundial, nos últimos anos observa-se igualmente uma contrarreação ao seu emprego no ensino fundamental e à sua utilização, como axiologia, em cursos de pedagogia. No Brasil, uma das primeiras iniciativas de uma abordagem diferente da construtivista por uma instituição educacional de porte foi a elaboração do Sistema Mackenzie de Ensino. Este Sistema, cujo desenvolvimento começou no ano de 2005 e foi completado em 2018, compreende livros didáticos a partir do Jardim I, suprindo todo o Ensino Fundamental 1 e 2, até o último ano do ensino, cobrindo todas as áreas de conhecimento para essas séries e anos. O Instituto Presbiteriano Mackenzie aplicou grande investimento e esforço de pessoal qualificado para produzir esse material, que foi elaborado com base em uma cosmovisão cristã e com uma metodologia cognitivo-interacionista.
Nesta, a aquisição de conhecimento recebe ênfase primária em um contexto de interação dos alunos com os meios que lhes são familiares e necessários ao seu desenvolvimento (família, escola, sociedade), onde princípios e valores eternos alicerçam o processo de ensino-aprendizagem, no qual o papel do professor é fundamental. O resultado concreto é representado por mais de 1.000 livros e materiais auxiliares produzidos, incluindo os manuais do professor, bem como por um programa de treinamento oferecido às quase 400 escolas que o utilizam no Brasil.2
O autor participou desses esforços de produção e estruturação do Sistema Mackenzie de Ensino e solidificou a convicção de que uma abordagem bíblica consistente às áreas do saber leva a uma compreensão dos conceitos de conhecimento, verdade e ensino diferente daqueles que são abrigados pelo construtivismo. Isso se estende às vertentes mais contemporâneas, como o neoconstrutivismo, ou a abordagem que tem recebido o nome de escola progressista, no campo educacional. A dissonância com os postulados bíblicos identifica uma área na qual são necessárias e bem-vindas pesquisas adicionais, para que se cristalize o papel adequado do professor cristão, especialmente em escolas cristãs, e que também venha a avaliar a percepção desses professores quanto às diferenças entre os dois caminhos propostos, bem como quanto à sua prática educacional em sala de aula. O autor já apresentou várias análises e propostas em forma de palestras, artigos e livros,3 mas vê a necessidade de realização de pesquisas adicionais no campo pedagógico cristão. O propósito dessas pesquisas deverá ser sempre delinear e sugerir alternativas do processo de ensino/aprendizagem coerentes com a fé cristã professada por professores cristãos e explicitada por Escolas Cristãs em seus documentos fundacionais.
1. PERGUNTA DE PESQUISA
Uma pergunta de pesquisa pode ser considerada como base para gerar uma comparação entre dois entendimentos ou visões do processo de ensino/aprendizagem e direcionar pesquisas adicionais entre o relacionamento da fé cristã de uma pessoa e a compreensão desenvolvida com base nesta mesma fé (pisteologia) da estrutura educacional contemporânea do construtivismo: “Como o entendimento dos conceitos de conhecimento, verdade e ensino apresentados pelo construtivismo se comparam com o ensino bíblico sobre esses mesmos conceitos?” A resposta a esta pergunta é o escopo deste artigo, no qual o termo “professor” é utilizado de forma genérica para se referir tanto a professores como a professoras.
1.1 Discussão de palavras-chave
Foram utilizadas diversas palavras-chave para a localização de literatura acadêmica relevante relacionada com os temas aqui abordados e que se constituem nos temas principais desenvolvidos no artigo. Estas seguem aqui definidas:
Educação Escolar Cristã – refere-se ao processo ou sistema educacional que considera as crenças cristãs como uma parte integral e legítima do seu escopo. Estas palavras são essenciais a qualquer busca em conjunto com outras palavras-chave abaixo relacionadas, geralmente com o operador booleano AND.
Conhecimento – palavra-chave relacionada com qualquer teoria educacional, significando dados que são adquiridos, descobertos, assimilados ou construídos (de acordo com a teoria educacional adotada), no desenvolvimento cognitivo, constituindo-se no objetivo do processo de ensino/aprendizagem.
Construtivismo – palavra-chave relacionada com a estrutura teórica que foi desenvolvida a partir do trabalho epistemológico e dos escritos de Jean Piaget (1896-1980), baseada em suas pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças. O termo abriga conceitos específicos e definidos sobre conhecimento, verdade e ensino. Esta palavra também é considerada em forma composta com componentes mais contemporâneos, como, por exemplo, construtivismo radical, sócio-construtivismo, etc.
Facilitador – esse termo descreve a tarefa básica do professor dentro de um entendimento construtivista do processo de ensino/aprendizagem, no qual o professor age como um catalizador, enquanto o aluno constrói o seu próprio conhecimento.
Pós-modernismo – visão de mundo que surgiu após a chamada era moderna, geralmente considerada desde a década de 1950 até os dias atuais, caracterizada pela rejeição de absolutos, abrigando um entendimento relativista da sociedade, uma negação da existência de uma verdade única e real, e uma ênfase na construção de realidades subjetivas individuais, pertinentes apenas à pessoa que as formula. O pós-modernismo representa um meio ambiente fértil para muitas teorias educacionais que abrigam conceitos semelhantes.
Transmissor – palavra que pode ser utilizada para especificar o papel do professor se há a admissão de que o conhecimento pode ser transmitido de uma pessoa para outra. É utilizada para a busca de educadores que continuam a abrigar este ponto de vista, que pode ser mais próximo do sentido bíblico do ensino.
Verdade – aquilo que é certo e correto; o oposto do que é falso. O termo pode ser entendido como sendo assertivo, proposicional e transmissível, ou, no pós-modernismo e relativismo, como algo que não pode ser apreendido, plenamente conhecido, ou como um conceito que é mutável de acordo com as circunstâncias ou localização.
2. VISÕES EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS SOBRE CONHECIMENTO, VERDADE E ENSINO
2.1 Por que o foco no construtivismo?
Além da interatividade pessoal do autor com material de ensino que se contrapôs a essa vertente, detalhado na introdução deste artigo, é inegável que o construtivismo penetrou profundamente nas teorias educacionais, em escala mundial, imprimindo sua estrutura teórica ao processo de ensino/aprendizagem desde seus primórdios em solo europeu. Consequentemente, é obrigatório que haja um exame e entendimento de sua estrutura filosófica pelos educadores. É verdade que o construtivismo é um guarda-chuva amplo, sob o qual estão abrigados “o radical construtivismo de Ernst von Glasersfeld, o construtivismo cognitivo de Jean Piaget, o construtivismo social de Lev Vygotsky e o construtivismo transacional de John Dewey”.4 Mas o que é comum a todas essas abordagens é a premissa de que “os alunos devem construir suas próprias percepções [insights], entendimentos e conhecimento”.5 A importância do construtivismo e seu relacionamento fundacional com os dois educadores historicamente ligados à disseminação dessa corrente de pensamento na pedagogia é reconhecida por Van Brummelen, que registra: “A ideologia experimental do construtivismo é o movimento mais influente na formação curricular dos nossos dias; é enraizada nos escritos do já falecido psicólogo suíço Jean Piaget e nos textos do russo Lev Vygotsky”.6 Essa importância em status, no campo psicopedagógico, é também registrada por Miller, quando escreve que “Piaget foi a figura mais importante na psicologia desenvolvimental” e que “ele alterou o curso da psicologia”.7
A conexão entre pós-modernismo e construtivismo é claramente estabelecida tanto por DeLashmutt e Braund8 como por Van Brummelen. Este último, que chega a afirmar que o construtivismo “é uma manifestação do pós-modernismo”,9 insiste que devemos prestar atenção para discernir como as características dessa visão de mundo afetam os conceitos e práticas educacionais.
Na verdade, parece existir uma conexão mais forte ainda de uma visão humanista do mundo (onde Deus é alijado dos construtos filosóficos) com diversos aspectos da chamada pedagogia progressista ou educação progressista, que levam à convergência do pensamento de várias figuras proeminentes que têm expressado pontos de vista contrários ao cristianismo. Isso é reconhecido pelo eminente filósofo cristão Francis Schaeffer (1912-1984). Em seu livro Manifesto Cristão, ele contrasta o humanismo (que nada tem a ver com humanitarianismo – que é o interesse pelo bem-estar do próximo, do ser humano), a filosofia que tem o homem no centro de suas cogitações (“O homem é a medida de todas as coisas”), com o cristianismo, que é a visão teocêntrica de mundo. Schaeffer diz que “os cristãos deveriam estar irredutivelmente em oposição à filosofia destrutiva e falsa do humanismo” e os contrastes com a fé cristã não deveriam nos surpreender. Ele faz referência aos Manifestos I e II publicados pela Sociedade Humanista (1933 e 1973), que agrupa vários ícones do campo educacional, tais como John Dewey (1859-1952), Burrhus Frederick Skinner (1904-1990), Jacques Monod (1910-1976) e o conhecido Sir Julian Huxley (1887-1975).10 Realmente, não deveria ser surpresa que os sustentáculos das filosofias educacionais humanistas de Dewey, Skinner e outros venham se contrapor à filosofia da fé cristã. Se considerarmos o cristianismo mais do que apenas uma forma de expressão religiosa/devocional, para ser vivida nos domingos, mas, acertadamente, como uma visão da vida e do mundo que possui coerência, fundamentada na revelação especial escriturada da Bíblia, temos de examinar as estruturas teóricas e suas premissas sobre a natureza humana, bem como seus conceitos de conhecimento, verdade e o papel do professor, para avaliar os possíveis pontos de contradição com a educação escolar cristã.
3. O CONCEITO DE CONHECIMENTO, VERDADE E O PAPEL DO PROFESSOR NO CONSTRUTIVISMO
3.1 Conhecimento
O construtivismo e as teorias derivadas dessa corrente, como infere o próprio nome, postula que o conhecimento é algo privado, particular, que é internamente construído. O indivíduo gera o seu próprio conhecimento.11 Por exemplo, autores como Ortlieb12 e An13 mantêm que um texto não tem um significado inerente:
[...] um texto escrito não leva um significado em si próprio. Em vez disso, um texto somente imprime direcionamentos para os leitores indicando como eles podem extrair e construir significado baseados nos conhecimentos que previamente adquiriram.14
Como consequência, para os construtivistas “aqueles que aprendem não são... receptores de conhecimento provido pelo instrutor”.15 Assim, o conhecimento não é algo descoberto e muito menos transmitido , mas “um processo... um relacionamento entre o conhecedor ativo e o que é conhecido”.16 Uma quantidade impressionante de educadores nem questionam essa pressuposição, mas alicerçam toda a sua pesquisa nessa premissa, que é apenas uma hipótese filosófica, como, por exemplo, Barber.17
Van Brummelen critica essa natureza subjetiva do conhecimento e a negação de sua existência objetiva:
Essa teoria representa uma ruptura radical com o pensamento ocidental cristão, de que o conhecimento pode ser obtido por meio dos sentidos e levar a uma compreensão do mundo real. O construtivismo postula que não descobrimos conhecimento nem temos condição de ler o livro da natureza. Em vez disso, proclama que as pessoas constroem todo o conhecimento tanto individualmente como através de interações sociais.18
Mesmo quando levamos em consideração a finitude, a imperfeição e o pecado latente nas pessoas, o conhecimento verdadeiro é uma possibilidade bíblica para a humanidade: “... conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). As limitações das pessoas consistem na impossibilidade de terem conhecimento exaustivo de algo. Mas isso não significa que o que lhes é dado conhecer não possa ser conhecimento objetivo e verdadeiro. É isso que ensina o apóstolo Paulo quando fala em termos bem concretos e objetivos sobre o conhecimento do amor de Cristo em Efésios 3.18-19: “... a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus”.19
3.2 Verdade
A “negação da verdade cognoscível”, postulada pelo pós-modernismo e o construtivismo, é registrada por DeLashmutt e Braund.20 Em adição a isso, esses autores demonstram como a educação pós-moderna, com sua noção de que o conhecimento é um “construto social” e tem significado apenas para a realidade individual de uma pessoa específica que interagiu com seu conhecimento prévio e o meio, elimina as “regras e práticas estabelecidas nas diversas disciplinas” e não permite aos educadores apontar, aos seus alunos, que suas conclusões estão “erradas”.21 A verdade é, portanto, algo totalmente subjetivo no entendimento da estrutura construtivista, e não algo que tem validade objetiva universal; ela não pode ser alcançada. Fica reduzida, assim, a alguma coisa indefinida, uma pálida sombra da realidade.
3.3 O professor
A maior parte dos construtivistas prescreve aos professores apenas o papel externo de facilitadores. Eles têm que organizar o meio, os materiais ou o contexto social e o ambiente para que o processo de aprendizagem possa acontecer na esfera cognitiva dos alunos. Na melhor das hipóteses, alguns construtivistas atribuem aos professores o papel de mediadores.22 Biesta chama atenção para o fato de que os construtivistas abandonaram a noção de que “os professores têm algo a ensinar e os alunos têm algo a aprender com o ensino daqueles”.23 Consequentemente, ele argumenta que a adoção de um papel para o professor conforme o entendimento dos construtivistas resultará na morte do ensino.24 Thompson lamenta a mensagem da educação progressista, que diminui o professor e que não mais o considera como “transmissor do conhecimento”, por postular que “as crianças são as criadoras subjetivas de seu próprio conhecimento”.25
4. O CONCEITO DE CONHECIMENTO E VERDADE DE ACORDO COM A BÍBLIA
Lemos as Escrituras partindo do entendimento de que o texto tem significado em si mesmo. Esse simples exame demonstra que conhecimento e verdade são conceitos muito objetivos e, portanto, transmissíveis. Em 2 Timóteo 2.2, Paulo estabelece exatamente uma cadeia de transmissão de conhecimento e da verdade, de geração a geração: “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos
para instruir a outros”. Van Brummelen enfatiza que em Jesus Cristo temos a verdade, que “ele é o que dá significado ao mundo” e que “cada coisa criada aponta para além de si própria, para Cristo que sustenta e preserva o mundo (Cl 1.17 e Hb 1.3)”.26
A verdade real existe. Jesus é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14.6). Valores e conhecimento devem ser transmitidos não somente como Paulo instruiu ao jovem pastor Timóteo, mas como temos no Salmo 78, de geração a geração. Educadores cristãos e escolas cristãs deveriam trabalhar dentro dessa estrutura, que tem sido, infelizmente, tantas vezes esquecida no cenário contemporâneo, até por escolas cristãs. Chan e Wong demonstraram como as crenças influenciam o ensino até da matemática.27 Temos que escrutinar de perto essa prática educacional direcionada pela fé, que também transparece no trabalho de Chapman, McNamara e Reiss.28 Os cristãos “observam o mundo de uma maneira diferente, e todos os crentes precisam se preparar para defender a razão pela qual creem que a verdade é absoluta, acessível e real – para todos”.29
5. O PAPEL DO PROFESSOR EM HARMONIA COM OS CONCEITOS BÍBLICOS DE CONHECIMENTO E VERDADE
Considerando o que já temos tratado neste artigo, a grande questão é: Pode um professor cristão desconsiderar a revelação bíblica sobre a essência do que significam conhecimento e verdade, adotando um esquema contraditório, advindo de outra teoria, para a sua docência e prática pedagógica, considerando tal teoria como sendo uma visão epistemológica “neutra”? Já há várias décadas, Cornelius Jaarsma advertia aos professores cristãos que eles necessitavam de uma bússola verdadeira para que pudessem singrar “os mares da pedagogia”.30 Desde então até os nossos dias, esse mar alargou suas costas, as ondas se tornaram mais bravias, as regiões abissais mais profundas e os perigos das correntes marinhas, se não nos desviarmos delas, mais fatais. Jaarsma indica que a bússola do professor cristão “é a visão de Deus, do homem e do mundo, desvelada na Palavra de Deus e centralizada em Cristo”,31 uma afirmação perene, precisa e válida em nosso cenário educacional.
Alguns pesquisadores vêm fazendo exatamente isso – procurando resgatar o papel do professor. Um destes, já citado neste artigo, é G. J. J. Biesta, que insiste que “o ensino deve ter um significado além da facilitação do aprendizado”32 e que o professor é alguém “que tem algo a dizer e algo a apresentar”.33 Em outras palavras, os professores devem ser os mestres de suas matérias; eles têm que ser muito mais do que meros facilitadores, ou até do que mediadores. Para resgatá-los e retorná-los à posição de dignidade da qual nunca deveriam ter sido removidos, devemos considerá-los pelo menos mentores (posição que está bem acima da de um mediador). Mas mentores alimentam conhecimento e verdades porque são também transmissores, sim, deste mesmo conhecimento e verdades. Este é o papel destinado a eles pelo Doador da vida e soberano Mantenedor de todas as coisas.
CONCLUSÃO
Instituições de ensino cristãs têm, muitas vezes, adotado diferentes teorias educacionais sem muito questionamento dos pontos contraditórios das mesmas com relação à revelação de Deus e à fé cristã. Em algumas avaliações, o conceito da zona de desenvolvimento proximal apresentado por Vygotsky parece recolocar valor no papel do professor, como sendo aquele que possibilita o salto de um degrau do conhecimento para o próximo. No entanto, o desenvolvimento deste conceito se emaranha em visão equivocada exatamente da visão adotada para conhecimento e verdade. O resultado final da aplicação de conceitos errôneos é, mais uma vez, uma diminuição do papel do professor bastante similar àquela adotada por outras versões do construtivismo.
A manutenção de uma coerência bíblica nos documentos basilares de escolas cristãs (regimento, contratos com os pais, declaração de crenças e valores, etc.) explicitando a fé abraçada, levará à adoção de uma compreensão de conhecimento, verdade e do próprio papel de seus professores diferente daquela postulada por estruturas teóricas pedagógicas que negam as verdades das Escrituras, especialmente daquela encontrada na filosofia inerente ao construtivismo.
Uma estrutura cristã teórica na área da educação deve se firmar no que a Bíblia ensina sobre a constituição das pessoas, o caráter de Deus e os conceitos de conhecimento e verdade. O professor cristão deve manusear o conhecimento como a Bíblia o apresenta e o manuseia. Tal postura não promoverá arrogância, porque o professor cristão está sendo continuadamente advertido a ser humilde e a olhar para Deus como a fonte última de suas capacitações e habilidades, sem pensar de si mesmo mais do que deve pensar (Rm 12.3).
Nesse mesmo espírito, abordará o mundo de Deus para descobrir as verdades tanto da criação física e da harmonia que sustenta o universo (“leis” físicas e químicas – “um dia faz declaração ao outro dia” – a harmonia que possibilita testar hipóteses e fazer ciência) como de sua lei moral e princípios de vida (“lei perfeita”, “desejável”, possibilidade de redenção – todos esses conceitos presentes no Salmo 19). O professor que entender essa conexão da educação com os conceitos bíblicos e imprimir essa percepção ao seu chamado e prática, impelirá o seu papel pedagógico ao devido patamar. Ao mesmo terá uma profunda consciência da tremenda responsabilidade que vem junto com a tarefa de ser portador da verdade, a ponto de Tiago 3.1 advertir que muitos não deveriam desejar ser mestres.
No cômputo final o professor precisa ser resgatado do papel passivo e do desprezo no qual as estruturas teóricas pedagógicas o colocaram. Auxiliar os alunos está no cerne do chamado, mas para que haja eficácia na ajuda ele tem que ser mais que um mero facilitador. A pacificação e conciliação entre entendimentos diferentes faz parte de suas tarefas, mas ele tem que se erguer acima do papel de mero mediador. Os professores cristãos têm por obrigação dominar a área de ensino à qual se dedicam; os alunos, especialmente as crianças e os adolescentes, clamam por direcionamento e mentoria; os professores têm de transmitir conhecimento, para que as verdades sejam apreendidas e internalizadas. Comunicação é o domínio da arte de codificar/descodificar, e isso está presente em toda a prática de ensino, de tal modo que tenham a condição de agir como Paulo ordenou a Timóteo34 (2 Tm 2.2, já citado), transmitindo verdades de geração em geração.
Esta reflexão é necessária não somente às escolas cristãs, para que lidem com seus professores de forma adequada, mas também aos próprios professores. A percepção destes deve ser aferida para que se verifique se os conceitos apropriados, baseados na Bíblia, estão presentes na sala de aula. Isso nos leva a uma segunda pergunta além daquela que se procurou abordar nas páginas anteriores: “Como a percepção desses conceitos impacta o entendimento e prática de uma amostragem relevante de professores cristãos do ensino fundamental?”
Esta pergunta pode servir de base para um possível questionário com bases acadêmicas a ser submetido a um número pré-estabelecido de professores de três ou quatro escolas cristãs, representativas do universo, sob a hipótese de que substanciarão as conclusões a que chegamos e que também forneçam dados adicionais que sejam de utilidade a professores e escolas cristãs. Mas isso deve ser alvo de pesquisa adicional que vai além do escopo deste artigo.
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1 PORTELA NETO, F. S. O que estão ensinando aos nossos filhos? São José dos Campos, SP: Fiel, 2012. Alguns destes textos com posicionamento contrário ao construtivismo, referenciados nesse livro, são: GRANATO, Alice. “Não, não e não!!!!” Veja, 16/06/1999; OYAMA, Thais. “A boa linha dura”. Veja, 13/10/1999; PHILIPS, Asha. Dizer não – impor limites é importante para você e para seu filho. São Paulo: Campus-Elsevier, 2000; BERGAMASCO, Daniel. Veja–SP, 27/06/2012, p. 34-44; BEGLEY, Sharon; KALB, Claudia. “Learning Right from Wrong”, Newsweek, 13/03/2000, p. 30-33; CAPOVILLA, Fernando. “Debate: o método fônico x construtivismo”, Folha de São Paulo, 06/03/2006. CASTRO, Cláudio Moura. “A Guerra dos Alfabetizadores”, revista Veja, Seção Ponto de Vista, 12/03/2008.
2 Relatório Anual do Instituto Presbiteriano Mackenzie para 2019. Documento de distribuição interna.
3 PORTELA NETO, F. S. O que estão ensinando aos nossos filhos? São José dos Campos, SP: Fiel, 2012; Educação escolar. Campina Grande, PB: Visão Cristã, 2016, e Educação cristã: história, conceitos e práticas (Org.). São Paulo: Editora Mackenzie, 2017, entre outros.
4 BIESTA, G. J. J. “Receiving the Gift of Teaching: From ‘Learning From’ to ‘Being Taught By’”. Studies in Philosophy and Education 32:5 (2013): 449-461, p. 450.
5 Ibid.
6 VAN BRUMMELEN, H. Steppingstones to Curriculum: A Biblical Path. 2ª ed. Colorado Springs, CO: Purposeful Design, 2002, p. 31.
7 MILLER, P. H. Theories of Developmental Psychology. 5ª ed. Nova York: Worth Publishers, 2011, p. 28 e 73. Ver também: SLATER, Alan; BREMENER, Gavin. Uma introdução à psicologia desenvolvimental. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.
8 DELASHMUTT, G.; BRAUND, R. “Post Modern Impact: Education”. In: MCCALLUM, D.(Ed.). The Death of Truth: Finding Your Way Through the Maze of Multiculturalism, Inclusivism, and the New Postmodern Diversity. Minneapolis, MN: Bethany House, 1996, p. 95-121.
9 VAN BRUMMELEN, Steppingstones to Curriculum, p. 34.
10 SCHAEFFER, Francis. A Christian Manifesto. Wheaton, Il: Crossway, 1981-1982, p. 24. Este livro foi traduzido para o português com o título Manifesto Cristão. Brasília, DF: Refúgio, 1985 (edição esgotada).
11 ÜLTANIR, E. “An epistemological glance at the Constructivist approach: Constructivist learning in Dewey, Piaget, and Montessori”. International Journal of Instruction 5:2 (2012): 195-212, p. 205. Disponível em: http://eric.ed. gov/?id=ED533786.
12 ORTLIEB, E. “Attraction Theory: Revisiting How We Learn”. Journal of Curriculum Theorizing 30:2 (2014), p. 71-87. Disponível em: http://search.proquest.com.ezproxy.liberty.edu:2048/docview/1636542198/fulltext PDF/.
13 AN, S. “Schema Theory in Reading”. Theory and Practice in Language Studies 3:1 (2013), p. 130-134. Disponível em: http://search.proquest.com.ezproxy.liberty.edu:2048/docview/1346774359/fulltext/.
14 Ibid., p. 130.
15 ÜLTANIR, “An epistemological glance”.
16 MILLER, Theories of Developmental Psychology, p. 33.
17 BARBER, J. P. “Integration of Learning: A Grounded Theory Analysis of College Students’ Learning”. American Educational Research Journal 49:3 (2012): 590-617.
18 VAN BRUMMELEN, Steppingstones to Curriculum, p. 32.
19 Esta e as outras referências das Escrituras Sagradas no artigo são retiradas da tradução João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA).
20 DELASHMUTT; BRAUND, “Post Modern Impact”, p. 120.
21 Ibid., p. 121.
22 DE WAAL, E.; GRÖSSER, M.; PRETORIUS, Y. “The Changing Role of Teachers: Transmitters of Knowledge and/or Mediators of Learning?” Trabalho de pesquisa apresentado na Conferência da Associação Educacional da África do Sul (EASA), 2010. Disponível em: http://marygrosser.co.za/uploads/presentations/2010%20De%20Waal %20Grosser%20Pretorius%20EASA.pdf.
23 BIESTA, “Receiving the Gift of Teaching”, p. 451.
24 Ibid., p. 450.
25 THOMPSON, C. B. “Our Killing Schools”. Society 51:3 (2014): 210-220, p. 212.
26 VAN BRUMMELEN, Steppingstones to Curriculum, p. 77.
27 CHAN, Y.; WONG, N. “Worldviews, religions, and beliefs about teaching and learning: Perception of mathematics teachers with different religious backgrounds”. Educational Studies in Mathematics 87:3 (2014), p. 251-277. Disponível em: http://eric.ed.gov/?q=religious bias in mathematics textbooks&id=EJ1041568.
* Graduado em Matemática Aplicada (B.A., Magna Cum Laude) pelo Shelton College (Cape May, Nova Jersey); Mestre em Divindade (M.Div.) pelo Biblical Theological Seminary (Hatfield, Pennsylvania); Litterarum Humanarum Doctor (L.H.D.), pelo Gordon College (Boston, Massachusetts). É professor-coordenador de Educação Cristã no CPAJ e professor de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, em São Paulo.
ARTIGO PUBLICADO EM: FIDES REFORMATA XXV, Nº 1 (2020): 63-75